sábado, 8 de maio de 2010

Cresça e apareça

Quantas vezes já me mandaram crescer...
Algumas vezes com aquele tom meio sarcástico que usam os que acham que sabem tudo, mas que aparentemente só conhecem um idioma, deixando escapar as sutilezas que algumas palavras trazem com elas, vitais para compreender certas coisas.
Quantas vezes já ouvi:
- Quando é que você vai amadurecer?
Então não amadureci?
Então não aprendi a conversar com Deus?
Sei que já sai, já me perdi, já voltei, cabeça baixa, em silencio, fui recebida como filha prodiga.
Antes, queria respostas.
Agora, quero aprender a perguntar.
Então não cresci?
Só por que meus olhos brilham em festa quando se deparam com o escuro paredão da noite, inteirinho manchado de estrelas...
Só por que me permito chorar quando ouço a ebulição da alvorada surgindo junto a esta sinfonia arruaceira de notas perfeitas, que dispensa a presença de um maestro.
Só por que meus olhos ainda procuram por borboletas, ainda esperam por joaninhas trazendo boa sorte...
Será que por isso não cresci?
Como seria pequena se não soubesse apreciar o mundo surpreendente que Deus nos deu!
Quem é que não cresceu, aquele que possui a capacidade de se maravilhar perante a obra divina, compreendendo a infinita distancia que a separa de qualquer criação humana, ou o cético, o que não acredita mais em milagres, delegando a si mesmo a responsabilidade da evolução do mundo?
Então não amadureci?
Só por que acredito que um sorriso alimenta a alma, que duas mãos estendidas podem evitar a guerra, que a música fala todas as línguas?
Só por que ainda me emociono com os Beatles, e de vez em quando me pego cantando que podíamos todos morar num grande submarino amarelo?
Por que não cresci? Porque não transformei meu doce submarino da infância num enorme cruzador cor de chumbo?
Porque quero uma casa no campo, porque acredito que toda criança deve plantar uma árvore, subir em seus galhos, provar de seu fruto, fazer dela sua casa...
Por que dizem que não cresci?
Porque não quis viver em gaiola de ouro, mas preferi ser passarinho molhado de chuva?
Não cresci por que?
Porque ainda perco o fôlego quando beijo o homem com quem estou casada ha vinte anos?
Porque gosto de fazer aniversário, de ganhar presente e ter festa surpresa?
Pelo tanto que amo minha vida hoje, celebraria meu aniversário todos os dias. Por que esperar um ano? Quero comemorar cada dia. Cada dia que ganhei de vida, cada dia que tenho para fugir do lugar comum, para realizar minhas fantasias e imaginar que faço parte de uma grande operação secreta para salvar o mundo.
Todo jovem um dia sonhou ser poeta, justiceiro, rebelde revolucionário, o próprio Don Quixote empunhando sua espada, matando dragões.
Por que me acusam, então?
Talvez eu saiba. Na verdade, soube desde sempre.
Envelheci, ano a ano me agarrando a sonhos, lutando para não me entregar.
Muitas vezes me deixei corromper, mas sempre escutava, ao longe, os companheiros de guerra gritando meu nome e a força do chamado era maior.
Foi nesse vai e vem que cresci.
Muitos não perceberam, e continuam se assustando com o que ouvem e o que vêem.
No entanto, eu mesma gosto cada dia mais toda vez que me encontro comigo, me surpreendo ao me olhar no espelho e receber de volta o mesmo sorriso de lado e nos olhos ver escritas as palavras que emocionaram toda uma geração:
- Hai que endurecer pero sin perder la ternura jamas.
Sabias palavras mesmo que de um profeta equivocado.

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