quarta-feira, 23 de junho de 2010

Exame de Consciência

Até agora não me conformei. Passei a tarde pensando, aliás, segundo meu querido Dr. Alois, meu problema é justamente esse: pensar demais.

Mas, enfim, não cheguei a conclusão nenhuma até agora. Quanto mais penso, mais a situação toda me incomoda.

Vejam só, cheguei ao laboratório Fleury às 10h da manhã, conforme agendado. No entanto, só pude me apresentar no balcão da recepção um ou dois minutos antes das 10:30. Com toda calma, vou tentar explicar: Durante esses 25 ou 27 minutos tive que travar uma pequena batalha para conseguir um, e somente um espaço, era tudo que eu precisava; um único espaço onde pudesse desembarcar com minha cadeira de rodas. No entanto, qual não foi minha surpresa ao ser informada, por porteiros e manobristas, de que ali, a uma quadra do maior cartão postal da cidade de São Paulo, a Avenida Paulista, no conhecido, renomado e competentíssimo laboratório Fleury, não havia um espaço, alguns poucos míseros metros quadrados, destinados a uma categoria que, com certeza, faz uso constante de um laboratório de análises.

Fomos obrigados a abrir o porta malas do carro, retirar e montar a cadeira de rodas, além de, é claro, ter que ser eu mesma retirada, desmontada e remontada na bendita cadeira outra vez, em meio aos carros que passavam a trinta centímetros de nós.
Pessoas não são pacotes. Pessoas usam roupas que precisam ser ajeitadas, óculos que se desalinham ao menor movimento, cabelos que precisam ser retirados da frente do rosto, isto sem mencionar a coluna, pernas, braços, pés e mãos, todos precisando de algum retoque para que o corpo se sinta ao menos razoavelmente confortável e bem equilibrado. Parece que o único a perceber essas necessidades todas é o relógio, que não pára, mas que continua altivo em sua trajetória, impávido colosso, Terra adorada: Brasil!

Bem, lá dentro, já na recepção, fizemos nosso primeiro protesto, e aí é que começa uma sucessão de atos e palavras que seria cômica, se não tivesse sido mais hilária do que triste.

Uma funcionaria mais graduada nos procurou, concordando com todos os nossos protestos e argumentos, de modo meio robotizado, utilizando um discurso já meio sem graça e ensaiado.

Meu marido, percebendo que a coisa morreria ali mesmo, assim que fossemos embora, resolveu apresentar-se como jornalista. Então, subitamente, a coisa toda mudou de figura. Não foram feitas ameaças de forma alguma, ele somente explicou que aquela situação era inconcebível nos dias atuais, especialmente tratando-se de uma instituição tão conceituada como o Laboratório Fleury. Aí, a partir deste momento, fomos convidados a redigir um texto com nossas reclamações, fomos orientados a entrar em contato com o serviço de atendimento ao cliente e, em menos de dois minutos, uma coordenadora apareceu gentilíssima, assegurando que havia, sim, uma vaga para cadeirantes.

- Onde? Posso vê-la? - perguntou ele.

E foi com uma enorme decepção que constatamos o obvio, não havia vaga nenhuma, e o local apontado pela funcionaria estava ocupado e cercado por dezenas de outros carros.

Fomos enfim chamados para a sala de exames. Enquanto iniciavam-se os procedimentos, um funcionário apareceu convidando meu marido para acompanhá-lo.

Pensei comigo: será que vão prendê-lo? Afinal, que Fleury será que era esse?
Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, as gentilezas so aumentavam.
Sucos, chás, bolachinhas e sanduíches vieram ate nos, sem que precisássemos nos locomover ate a lanchonete.

Também veio ate nos a gerente geral do laboratório.

Fazendo questão de me conhecer pessoalmente, assegurou-me que todas as providencias para solucionar as irregularidades encontradas estariam sendo tomadas imediatamente.
Deu-me seu cartão de visitas, com todos os telefones onde poderia encontra-La, oferecendo:

- Quando precisar vir ao laboratório me telefone, me avise antes de vir, assim posso deixar tudo preparado para quando você chegar, já deixo uma vaga separada para você, deixo tudo no jeito...

Quero deixar bem claro que não sou avessa a gentilezas, ao contrario, adoro ser mimada, contanto que haja motivos para tal.

Adoro ter regalias por ser cliente vip de alguma loja, adoro ter um tratamento diferenciado quando o fazem por reconhecer meu sucesso profissional, adoro quando os amigos me fazem sentir que sou a convidada mais aguardada do evento.

Mas, assim não.

Não existe um só motivo para que eu tenha um tratamento diferenciado assim. Se houvesse uma necessidade real, eu mesma teria solicitado um atendimento especial e tenho certeza de que o laboratório me atenderia prontamente.

Mas, da maneira como sucederam-se os fatos, me vejo obrigada a estender esta gentileza a todos os outros portadores de deficiência.
Inclusive perguntei a Ana Paula:

- Quer dizer que todo cadeirante pode ligar para você antes de vir ao laboratório que você vai armar todo o esquema e deixar tudo pronto?

Presa em sua própria ratoeira a pobre moça não teve outra alternativa a não ser concordar, de olhos arregalados e pálida como cera.

- Claro, claro... Pode colocar...

Evidentemente não vou fazer isto, pois toda esta conversa com os funcionários do Fleury teve por objetivo o esclarecimento de atitudes equivocadas e o pedido puro e simples de que a lei fosse cumprida.

Não quero sair de nenhum lugar escoltada por uma comitiva, encontrando meu carro com as portas já abertas, com o ar condicionado ligado, logisticamente estacionado a minha espera.

Quero, sim, chegar e sair despercebida, como qualquer um, podendo me organizar e me arrumar com calma, sem atropelos, agindo naturalmente.
Não quero regalias que não mereço, preferiria ter sido convidada a dar sugestões e informações que pudessem ser úteis para outras melhorias.

Gostaria que ficasse bem entendido que isto não é uma bronca, mas sim um desabafo.
Sempre esperamos dos primeiros, dos maiores, o melhor que possam oferecer.
Se um laboratório do nível do Fleury apresenta uma falha como esta, descumprindo uma lei tão simples, mesmo tendo uma posição de destaque, cuja imagem serve de inspiração para tantas outras instituições, o que podemos esperar de outras empresas?
Estar a frente dos outros, ocupando uma posição de liderança tem um ônus muito grande: servir de exemplo, ser a referencia do que e ser o melhor, contribuindo para que a sociedade esteja sempre em busca da excelência.

Quero continuar indo ao Fleury como tenho feito há quarenta e três anos, isso mesmo, sou cliente desde os três anos de idade, quero continuar a acompanhar meus filhos e espero, também meus netos, certa de que optei pelo melhor, por aquele que não é líder por acaso, mas sim por visar ao ser humano em primeiro lugar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Lucia, aguardo suas novas postagens!
Bjos Aline.

11 de julho de 2010 às 16:42
professores Mário Covas disse...

OI Lúcia!!!
Realmente é um absurdo este tipo de situação nos dias de hoje, dá para concluir que se é assim em um laboratório tão renomado, imagina em outros bem inferiores!!
Bjs Dani.

30 de setembro de 2010 às 16:32

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