Lembranças de Clê
Hoje vai ter festa no céu.Clementina vai chegar.
Vai chegar sorrindo, como sempre, os olhos verdes brindando a vida.
Clê era a amiga descolada, a tia bacana, a vizinha divertida que todo mundo queria ter.
- Oi Lãcia...
Assim mesmo, com essa entonação anasalada.
- Oi Clã.
Respondia eu do mesmo jeito. Era uma brincadeira nossa. Não sei como começou, mas foi assim durante 35 anos.
Clê foi minha professora, me ensinou a guiar, me deu aulas de matemática, de geometria, e de vida também.
Quando me propôs: - Quer aprender a guiar no meu carro?
Meus treze anos de idade responderam imediatamente que sim, para em seguida, caindo na realidade, perguntarem:
- Mas e se bater o carro?
- Se bater a gente conserta, oras...
Simples assim. Afinal, o que era um carro, além de um bem material, comparado ao prazer de ensinar à uma jovem amiga os primeiros passos da independência?
Clê era assim.
Divertida, de bem com ela mesma e com a vida.
Podia parecer meio desligada, mas na verdade estava sempre sintonizada, talvez em outra dimensão, mas estava!
Clê, a boêmia. Descrevia com detalhes o restaurante que teria e as funções de cada um: o marido, italiano, cuidaria da comida, é claro. Meu pai responderia por toda a organização, um outro amigo ficaria responsável pelas compras. E assim ia descrevendo tarefa por tarefa, distribuindo cargos a todos, até que alguém perguntou: - Mas e você, Clê, vai fazer o quê? E ela, mais do que depressa, os olhos verdes sorrindo, respondeu:
- Eu? Eu vou receber todo mundo, vou de mesa em mesa, pra bater um papo e tomar um uisquinho com cada um...
Essa era Clê.
Uma vez, entre conversas, cigarros e uisquinhos, esqueceu parte do jantar que oferecia, no fundo do forno.
Quando uma amiga, descobridora do que achou ser uma tragédia, perguntou a ela “E agora, o que fazer?” Clê não teve dúvidas, respondendo na lata:
- Fazemos outra festa amanhã!
Essa era Clê. Talvez irritantemente desprendida para os chatos, para os muito certinhos, para os enfadonhos que estabelecem metas para a vida ao invés de sonhar.
Clê adorava fazer planos, imaginar festas e viagens em detalhes primorosos, pensava nos amigos, querendo sempre agradar a todos.
As idéias eram mirabolantes, inusitadas, e se iriam se concretizar ou não, pouco importava, o divertimento estava em como as planejava.
Vai deixar uma saudade danada...
Afinal, quem já não quis ser um pouquinho Clê algum dia?
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